afinar o fundo e as laterais do violão


Na luteria, o processo de “afinar” o fundo e as laterais do violão não é como afinar as cordas. O que se busca é chegar em determinadas frequências de ressonância ao trabalhar a espessura (com lixa, formão, goiva ou plaina) para que o conjunto caixa harmônica + tampo tenha um comportamento acústico equilibrado.

 Algumas referências usadas por luthiers (pode variar conforme tradição: Torres, Hauser, Romanillos etc.):

  • Fundo → geralmente ajustado para soar um pouco mais grave que o tampo, em torno de 90–110 Hz (F#2 a A2).
  • Laterais → funcionam mais como estrutura, não se busca uma nota exata, mas deve haver certa flexibilidade sem perder rigidez. Muitos luthiers deixam entre 2,0 a 2,2 mm (rosewood, maple) e 1,8 a 2,0 mm (madeiras mais densas).
  • Tampo → é quem “manda na orquestra”. Costuma-se deixar sua ressonância fundamental (tap tone) entre G#2 a A#2 (103–116 Hz).

O objetivo é:

  • Fundo ligeiramente abaixo do tampo em frequência → isso ajuda a criar interação acústica (coupling), ampliando projeção e sustain.
  • Se o fundo ficar muito próximo ou muito acima do tampo → o violão pode soar “travado”, sem corpo.
  • Se ficar muito abaixo → o som pode ficar “fofo”, sem definição.

👉 Em resumo:

  • Tampo: ~G#2–A#2 (103–116 Hz)
  • Fundo: ~F#2–A2 (92–110 Hz), ligeiramente abaixo do tampo
  • Laterais: não têm nota-alvo, foco é espessura/elasticidade

⚠️ Importante: cada madeira tem densidade, rigidez e resposta diferente, então não é só buscar uma nota, mas sentir a vibração com o tap tuning (batendo com o dedo e ouvindo o “pong” da madeira).

Comparação Sonora dos Leques Harmónicos

 

Luthier País Leque Harmónico Características Impacto Sonoro Estilo/Ritmo Musical Predominante
Antonio de Torres (1817–1892) 🇪🇸 Espanha 7 leques em abanico Estrutura simples, base da guitarra moderna. Som equilibrado e quente. Música clássica espanhola (flamenco leve, folclore ibérico, peças românticas).
José Ramírez III (1922–1995) 🇪🇸 Espanha 8 leques largos + travessas Barras fortes para grande projeção. Som potente, graves marcantes. Flamenco e guitarra de concerto em grandes salas.
Ignacio Fleta (1897–1977) 🇪🇸 Espanha (Barcelona) 9 leques reforçados Construção robusta. Som encorpado, sustentação longa. Música erudita/concerto (Segovia, música clássica europeia).
Daniel Friederich (1932–2020) 🇫🇷 França Leque assimétrico (9–11 ripas) Precisão e refinamento. Som lírico, equilibrado. Música clássica francesa e repertório europeu contemporâneo.
Hermann Hauser I (1882–1952) 🇩🇪 Alemanha 7 leques refinados + travessas Inspirado em Torres, mas mais claro. Som transparente e sofisticado. Música erudita centro-europeia (Bach, Weiss, clássicos do barroco e romântico).
Manuel Contreras (1926–1994) 🇪🇸 Espanha (Madrid) 8 leques + “dobro tampo” Inovação estrutural. Som brilhante e muito projetado. Música contemporânea e concertos modernos; repertório internacional.

O sistema Torres e o sistema Hauser é central no universo da lutheria

sistema Torres e o sistema Hauser é central no universo da lutheria de violões clássicos. Ambos marcaram épocas e ainda hoje inspiram construtores:

🎸 Sistema Antonio de Torres (séc. XIX)

  • Considerado o pai do violão moderno.

  • Estrutura interna baseada em sete leques harmónicos (bracing em leque) sob o tampo.

  • Sons: mais quentes, doces e cantáveis, com grande projeção natural.

  • Caracteriza-se por uma sonoridade mais romântica e intimista, ideal para repertório espanhol e romântico.

🎸 Sistema Hermann Hauser I (séc. XX)

  • Inspirou-se no modelo Torres, mas introduziu modificações:

    • Estrutura mais reforçada e rígida.

    • Uso de madeiras centro-europeias (como o abeto alemão).

    • Ajustes na espessura do tampo e na barra harmónica.

  • Sons: mais claros, definidos e equilibrados, com excelente separação de vozes.

  • Preferido por intérpretes de repertório mais técnico, como Segovia.

⚖️ Qual é o “melhor”?

  • Torres → se procura calor, riqueza de timbre e tradição espanhola.

  • Hauser → se valoriza clareza, articulação e equilíbrio em polifonias.

  • Muitos luthiers modernos fazem uma síntese: combinam a riqueza tonal do Torres com a precisão do Hauser.

👉 Em resumo: não há “melhor” absoluto, mas sim aquele que mais se adequa ao repertório e ao estilo do guitarrista.


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